O Teatro das Emoções

A procura da emoção

Falamos frequentemente de avaliação da credibilidade enquanto conjunto de técnicas para aferir se uma determinada mensagem é verdade ou mentira. Temos uma propensão imediata para rejeitar qualquer forma de dissimulação. Mas a verdade é que, muitas vezes, sem pensarmos nisso, procuramos de forma voluntária ser iludidos, ludibriados em histórias que sabemos não serem verdadeiras e, quanto maior o engano, maior é a nossa satisfação. Quem não se comoveu no momento em que Julieta desperta e, encontrando o amante inanimado, decide morrer e desfere sobre o próprio peito o golpe fatal?

A propósito do Dia Mundial do Teatro, vamos falar-lhe sobre uma técnica desenvolvida pelo ator, encenador, fundador e diretor do Teatro de Arte de Moscovo, o russo Konstantin Stanislavski (1863 – 1938), que sempre procurou, ao longo da sua carreira, que os atores encarnassem da forma mais plena e profunda possível as personagens que interpretavam.

 

Konstantin Stanislavski (1863 – 1938)

A memória afetiva

Para tal, desenvolveu um conjunto de técnicas que revolucionaram a metodologia do trabalho do ator. Hoje vamos falar-lhe de uma destas técnicas, baseada na memória afetiva. Em rigor, quem primeiro utilizou este termo foi o psicólogo francês Théodule Ribot (1839 – 1916), no livro Psychologie des Sentiments (1896). Nesta obra, Ribot explora a capacidade de revivermos uma determinada memória, de forma voluntária e intencional, através de um estímulo externo. Estas rememorações afetivas seriam frequentemente acompanhadas de manifestações somáticas, algo que teve especial interesse para Stanislavski. O encenador percebeu que este processo permitia trazer à superfície da pele as sensações associadas às experiências revividas através da memória.

Desta forma, o estudo de Ribot ofereceu a Stanislavski o caminho para uma performance mais autêntica, mais próxima da “verdade da cena”. Com este método, o ator utilizaria, num primeiro momento de aproximação à personagem, as suas próprias memórias, recurso disponível a todos os atores e que precisaria apenas de ser continuamente exercitado.

Um exemplo apresentado por Stanislavski na obra A Preparação do Ator é o do ensaio levado a cabo pela atriz Dacha. A personagem interpretada por esta atriz perde a criança que havia adotado. Para a interpretação da cena, Dasha recorre à emoção que havia sentido quando, anos antes, perdera o seu próprio filho. Para que a “verdade da cena” funcione, Dacha não podia, contudo, limitar-se a usar a emoção bruta que havia experimentado. Foi necessário que adaptasse  a dor da perda que havia conhecido para se ligar à personagem.

 

Cena da peça “O Submundo”, de Gorki, no Teatro de Arte de Moscovo, em 1902.

 

Um processo fluído e dinâmico

Todavia, as emoções agregadas a uma determinada memória não são estáticas, pelo contrário, são permeáveis à passagem do tempo. Por esta razão, o ator não deve perseguir obsessivamente uma determinada memória emocional que encontrou no passado, acreditando que ela estará armazenada e disponível numa espécie de reservatório de memórias afetivas. Em vez disso, deverá ser um observador atento do quotidiano, registando as novas situações e as sensações espoletadas, para aumentar o seu repertório mnésico e, assim, estar sempre recetivo às novas memórias que vão surgindo. O grande segredo seria tornar mais permeável o acesso ao subconsciente, de forma a permitir que as emoções consigam emergir à consciência e ser aproveitadas pelo ator.

A utilização das próprias memórias afetivas seria o método mais eficaz para uma representação genuína, pois, ao encontrar nas suas experiências passadas sentimentos semelhantes aos que a personagem sente, o ator não precisaria de recorrer a tantos artificialismos e poderia, mais facilmente, “viver as suas personagens”, em vez de apenas desempenhar um papel.

 

Marlon Brando e Salvatore Corset, em O Padrinho (1972).

 

A metodologia desenvolvida por Stanislavski sofreu várias adaptações, mas continua, ainda hoje, a ser usada na formação de atores um pouco por todo o mundo. Marlon Brando, James Dean, Meryl Streep, Al Pacino, Robert De Niro, Dustin Hoffman e Daniel Day-Lewis são alguns exemplos de extraordinários atores que usaram as técnicas deste encenador russo na construção de personagens inesquecíveis. Por isso, quando for arrebatado pela interpretação de um ator ou de uma atriz, é muito provável que este esteja a usar uma das várias técnicas desenvolvidas por Stanislavski.

 

REFERÊNCIAS:

Stanislávsi, K. (1936/2018). Preparação do Ator no seu processo criador de vivência das emoções, volume I. Lisboa: TNDMII / Bicho do Mato.

Stanislávsi, K. (1948/2018). Preparação do Ator no seu processo criador de encarnação, volume II. Lisboa: TNDMII / Bicho do Mato.

Stanislávsi, K. (1957/2018). Preparação ao papel pelo ator, volume III. Lisboa: TNDMII / Bicho do Mato.

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