Como avaliar a desonestidade?
Quando pensamos sobre a dicotomia entre verdade e mentira, uma questão que frequentemente surge é quão honestos somos? O que aconteceria se, por exemplo, as pessoas tivessem a oportunidade de beneficiar economicamente com uma mentira e tivessem a certeza de não serem apanhadas? Para responder a esta questão, Dan Ariely, On Amir e Nina Mazar, investigadores da Duke University, decidiram levar a cabo um conjunto de investigações a que chamaram “Experiências Matriz”.
A experiência base
A primeira etapa da experiência consistia em pedir a um conjunto de participantes que completassem uma folha com vinte matrizes, compostas por doze números. O objetivo era encontrar os dois números, em cada matriz, cuja soma perfazia 10 (por exemplo, 5.62 e 4.38). Tinham 5 minutos para executar o exercício e recebiam uma recompensa de 50 cêntimos por cada matriz corretamente preenchida. A média de matrizes resolvidas com sucesso, no tempo atribuído, era 4. Quando o tempo terminava, os participantes entregavam a folha ao entrevistador, que verificava o número de acertos e lhes entregava a recompensa correspondente.
As variações da honestidade
No entanto, para avaliar o grau de honestidade dos participantes, os investigadores introduziram uma pequena variação: quando terminava o tempo, os participantes colocavam a folha de resposta numa máquina destruidora de papel e eram os próprios que informavam o investigador de quantas matrizes tinham conseguido acertar, sem que este tivesse como verificar as respostas, e recebiam imediatamente o valor respetivo. Terão os participantes mentido muito ou pouco em relação ao número médio de 4 respostas corretas?
Nesta variação, os participantes declararam ter conseguido realizar com sucesso 6 matrizes e foi possível confirmar que estavam a mentir porque a máquina destruidora de papel, em que haviam introduzido as folhas de resposta, apenas cortava as margens.
O aumento de duas respostas corretas parece uma mentira pouco significativa. Talvez a recompensa não fosse suficientemente apelativa para que mentissem mais. Para testar esta hipótese, os investigadores fizeram uma nova variação da experiência, em que eram oferecidos 10 dólares por cada matriz corretamente resolvida, perfazendo um total de 200 dólares se conseguissem completar as vinte matrizes. Terão os investigadores finalmente descoberto os grandes mentirosos?
Apesar do valor mais aliciante da recompensa, os participantes continuaram a afirmar ter solucionado apenas 6 matrizes. Porquê a escolha desta mentira comedida? Estaria relacionada com o risco de levantarem suspeitas e de serem confrontados com um resultado pouco habitual?
Para testar esta hipótese, os investigadores introduziram mais uma variação. Repetiram a experiência, mas informaram os participantes, antes do início do teste, de que a média de respostas corretas era 8. Os resultados voltaram a repetir-se: os participantes indicaram ter resolvido com sucesso 6 matrizes, quando apenas tinham acertado em 4.
Porque razão terão os participantes adicionado apenas duas respostas corretas? Há, nesta situação, duas motivações opostas que devem ser tidas em consideração. Por um lado, as pessoas querem obter os benefícios associados à mentira (a recompensa económica) e, por outro, querem continuar a olhar para si como pessoas honestas e responsáveis. Quando os participantes escolhem inflacionar ligeiramente o número de respostas certas (dizendo que tiveram 6 acertos quando eram apenas 4), conseguem equilibrar estas duas motivações contraditórias.
O fator de correção
Para tal, introduzem um “fator de correção”, que não é mais do que uma retificação ligeira dos resultados a seu favor, estabelecendo uma margem de tolerância interna para esta correção e justificando os motivos desta mudança. Se dissesse que conseguiu resolver 20 matrizes quando tinha solucionado apenas 4, iria pôr em causa a sua autoimagem de pessoa honesta, pois excede o limite interno. Assim, ao dizer que resolveu 6, consegue obter parte dos benefícios associados à mentira sem ferir a sua autoimagem.
A Experiência Matriz foi repetida inúmeras vezes por milhares de participantes. Apenas 20 participantes foram “grandes mentirosos”, ou seja, disseram ter resolvido com êxito todos os problemas. A grande maioria eram “pequenos mentirosos”, pessoas que afirmaram ter solucionado 6 problemas quando resolveram apenas 4. Ariely descobriu que o “fator de correção” é um elemento essencial na decisão de mentir. E o leitor, o que faria se tivesse a oportunidade de mentir e não ser apanhado?
REFERÊNCIA:
Ariely, D. (2012). The (honest) truth about dishonesty: how we lie to everyone – especially ourselves. New York: HarperCollins.