Quem é Paul Ekman?
Ekman é um Psicólogo Americano, Professor Emeritus da Universidade da Califórnia e um pioneiro no estudo da relação entre as emoções e as expressões faciais. É considerado um dos Psicólogos mais importantes do século XX, sendo autor de uma extensa lista de publicações científicas, entre livros e artigos, ao longo de 50 anos de carreira. Foi o consultor científico do filme “Divertida Mente” (“Inside Out”) e da série “O Rosto da Mentira” (“Lie To Me”), inspirada diretamente na sua vida. Apaixonado pela teoria evolucionista de Charles Darwin e pelo espírito aventureiro de Fernão de Magalhães, revolucionou a forma como atualmente encaramos a comunicação, a expressão das emoções e a avaliação da credibilidade.
O Caso de Mary
No início do seu percurso profissional, Ekman estava interessado em compreender se a análise das expressões faciais e dos gestos poderia auxiliar no diagnóstico das perturbações mentais. Para esse efeito, gravou diversas sessões de avaliação psicológica às quais os pacientes eram submetidos para receberem alta.
O caso paradigmático foi o de Mary, uma paciente com diagnóstico de perturbação depressiva. Durante a sessão de avaliação, Mary afirmou que se sentia muito melhor e pediu para ir passar o fim de semana a casa. O médico prescreveu a alta sem hesitação. No entanto, antes de sair do hospital, confessou que tinha mentido; sentia-se muito mal e tinha a intenção de cometer suicídio.
Ekman ficou fascinado por este caso pois Mary tinha mentido sobre um assunto muito grave, sem aparentemente ter manifestado um único comportamento suspeito. Analisou o vídeo durante centenas de horas até que descobriu, no momento de pausa antes de Mary responder à questão sobre os seus planos para o futuro, uma expressão facial extraordinariamente rápida de desespero, quase invisível a olho nú.
Ekman chamou microexpressões a estas contrações inconscientes e involuntárias dos músculos faciais, que ocorrem em menos de meio segundo (por vezes 1/25 de segundo), e que revelam o que a pessoa está a sentir, independente do que está a verbalizar. Ancorado nesta descoberta, Ekman dedicou as décadas seguintes a realizar dezenas de pesquisas científicas que comprovaram a importância das microexpressões faciais na comunicação interpessoal e na avaliação da credibilidade.
Os Papuas da Nova Guiné
Treze anos após o lançamento da sua obra sobre a origem das espécies, Charles Darwin publicou “A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais” (1872). Nesta obra, afirma que a expressão facial das emoções tem uma origem biológica e universal. Contudo, uma vez que o consenso da comunidade científica da altura assegurava que a expressão facial era aprendida por socialização e imitação em cada cultura, a sua obra foi votada ao esquecimento durante quase 100 anos.
Estimulado pela recente descoberta das microexpressões e inspirado pelo seu mentor Silvan Tomkins, Ekman estava determinado a desvendar o enigma sobre a origem da expressão facial das emoções. Seria inata ou adquirida? Prosseguiu a sua investigação em países como o Japão, o Chile e o Brasil, onde apresentava fotografias com expressões faciais e solicitava a diferentes candidatos que indicassem qual a emoção presente em cada fotografia. Os resultados foram idênticos em todas as culturas, sugerindo que a teoria de Darwin poderia estar correta. No entanto, as respostas poderiam ter sido influenciadas pela exposição dos participantes aos media ou pela possibilidade destes viajarem e conhecerem outras culturas.
Deste modo, a única forma de testar a teoria de Darwin era estudar uma cultura totalmente isolada, onde os autóctones não tivessem acesso a meios audiovisuais ou contacto com outras civilizações. Tal como um verdadeiro Indiana Jones, Ekman aventurou-se no interior da vasta floresta da Papua Nova Guiné para analisar os Fore, uma pequena tribo canibal que vivia perto das Montanhas Wanevinti, separada da Civilização Ocidental. Realizou vários testes sobre a expressão facial das emoções com os membros da tribo e os resultados foram idênticos aos dos povos do Ocidente.
Com efeito, Paul Ekman completou o legado de Darwin e comprovou cientificamente a universalidade da expressão das emoções no rosto humano. Durante as décadas seguintes, Ekman e investigadores em todo o mundo realizaram centenas de estudos que revelaram de forma indelével a universalidade das expressões faciais de 7 grupos de emoções: alegria, desprezo, nojo, raiva, tristeza, medo e surpresa.
O Sistema de Codificação da Face
Uma vez que a expressão facial das emoções primárias é universal, tornou-se fundamental estudar a fundo a fisiologia do rosto humano. Baseados no trabalho do anatomista Sueco Carl-Herman Hjortsjö, Ekman e o seu colega Wallace Friesen dedicaram-se à sistematização detalhada das unidades musculares responsáveis por todas as expressões faciais observáveis. A investigação demorou 8 anos e culminou, em 1978, na criação do Facial Action Coding System (FACS), a ferramenta de investigação sobre o rosto humano mais completa em todo o mundo. Foi também desenvolvido o Emotional Facial Action Coding System (EMFACS), uma versão reduzida do sistema original que apresenta apenas a codificação dos músculos envolvidos nas 7 emoções universais.
O FACS e o EMFACS são amplamente utilizada pela comunidade científica, permitindo a codificação exata de todas as contrações musculares que ocorrem durante um breve piscar de olhos. Este sistema passou a ser utilizado em várias áreas como os estudos de marketing sobre o comportamento do consumidor e a investigação clínica e criminal. A própria indústria cinematográfica adotou este sistema para animar de forma mais realista as expressões faciais das personagens. Os primeiros filmes que utilizaram o FACS foram “Shrek” (DreamWorks) e “Toy Story” (Pixar).
“O Rosto da Mentira” (“Lie to Me”)
A ovação da comunidade científica atribuiu uma grande projeção a Ekman e a sua popularidade deu origem à famosa série de televisão “O Rosto da Mentira” (2009-2011). Tim Roth protagoniza Cal Lightman, personagem diretamente inspirada na vida de Ekman. Basta ver a semelhança nos apelidos: Ekman e Lightman. Cal Lightman é considerado o maior especialista do mundo na deteção de mentiras, conseguindo ler pistas muito subtis na face, no corpo e na voz, de forma a diferenciar a verdade e a mentira em investigações criminais. Lidera uma equipa de especialistas na sua empresa “The Lightman Group”, que auxilia instituições privadas e agências governamentais nos seus casos mais complexos.
Gillian Foster (Kelli Williams) é uma talentosa psicóloga e a parceira profissional de Lightman. A sua tranquilidade e ponderação equilibram a abordagem excêntrica e provocadora do seu colega. Eli Loker (Brendan Hines) é o investigador principal de Lightman. Sente-se tão desconfortável com a tendência humana para mentir que frequentemente utiliza a “honestidade radical”. Revela tudo o que lhe vem à mente, sem qualquer tipo de filtros, arcando muitas vezes com as consequências deste ato. Ria Torres (Monica Raymund) é o mais recente membro da agência e uma das poucas pessoas “naturais” no campo da deteção da mentira. A sua capacidade instintiva para ler pistas muito subtis faz dela uma força a ter em conta.
Curiosamente, a personagem Gillian Foster foi inspirada em Maureen O’Sullivan e Eli Loker em Mark Frank, antigos colegas de Ekman em investigações pioneiras sobre a deteção da mentira. A personagem Ria Torres não representa uma pessoa específica mas um conjunto de pessoas dotadas de uma capacidade acima da média na deteção de mentiras. Ekman e O’Sullivan testaram mais de 20.00 pessoas e verificaram que 99,75% tiveram uma taxa de sucesso na deteção de mentiras de apenas 50%. As restantes 0,25% tiveram uma taxa acima dos 80%, possuindo uma capacidade natural para detetar mentiras, sem qualquer treino formal. Por esse motivo, foram apelidadas de “Feiticeiras da Verdade” (“Truth Wizards”). Ria Torres representa uma destas “Feiticeiras”.
“Divertida Mente” (“Inside Out”)
Ekman foi consultor científico no filme da Pixar “Divertidamente” (2015), que foca o papel das emoções na dinâmica familiar. Para além de original e divertido, o filme também possui um carácter pedagógico, criando uma oportunidade para promover o diálogo entre pais e filhos sobre a expressão e gestão das emoções.
O filme centra-se na dinâmica entre cinco emoções básicas – personificadas nas personagens Alegria, Nojo, Tristeza, Raiva e Medo – e na forma como estas interagem na mente de Riley, uma rapariga de 11 anos, durante a tumultuosa mudança de casa do Minnesota para São Francisco. A mudança de casa, a saída da escola e o afastamento dos amigos são geridos com muita intensidade pois Riley perde muitas das referências essenciais da sua infância. A tudo isto acresce a necessidade de se integrar numa nova casa e numa nova escola, onde ainda não tem amigos. O filme ilustra que todas as emoções são fundamentais para a construção da identidade e que a própria tristeza tem um papel fundamental na superação das perdas.
Dalai Lama e o Atlas das Emoções
Parte do trabalho mais recente de Ekman emergiu da sua estreita relação com o Dalai Lama, com quem passou mais de cinquenta horas a conversar face a face. Dialogaram profundamente sobre a natureza e impacto das diferentes emoções primárias e sociais. Esta reflexão induziu Ekman a estudar as diferenças individuais na forma como as emoções são vividas e o processo associado ao desenvolvimento de emoções sociais como a compaixão.
Por sugestão do Dalai Lama, Ekman e os seus colegas Alan Wallace, Mark Greenberg e Richard Davidson desenvolveram um programa de formação secular para ajudar as pessoas a gerir emoções destrutivas e a cultivar uma forma mais saudável de ser. Este treino designa-se “Cultivar o Equilíbrio Emocional” (“Cultivating Emotional Balance”) e é ensinado por Eve Ekman, a filha de Ekman, também ela investigadora na área das emoções.
Em paralelo, o Dalai Lama pediu ajuda a Ekman para criar um mapa de emoções para desenvolver uma mente calma. Ekman assumiu o desafio e criou em 2016, em parceria com a sua filha Eve, o “Atlas das Emoções”. Este mapa representa uma síntese do que os investigadores aprenderam com o estudo psicológico das emoções nas últimas décadas.